12 dezembro 2010

Em defesa do Socialismo

O texto que agora publico esteve para o não ser por razões várias. Pareceu-me todavia que era vital vir defender o meu ponto de vista quanto à questão que dá título a este post, marcando assim a minha posição político-ideológica em definitivo. Não pretendo alongar-me muito, sob pena de o texto ficar maçador. Servir-me-ei dos meus conhecimentos, quiçá parcos, na defesa daquilo em que acredito. E farei ainda algo que não posso deixar de fazer, uma vez que o que hoje escrevo surge de um distinto ponto de vista sobre estes assuntos, entre mim e um amigo, ou seja, irei afirmar quão nefasto pode ser e efectivamente é o capitalismo, tão acerrimamente defendido por muitos.

Importará pois, em primeiríssimo lugar, definir o Socialismo, no seu sentido original. Encontramos, por exemplo, uma definição em Pierre Leroux (1797-1871) que afirma o Socialismo como a doutrina que subordina o sujeito à sociedade. Já Durkheim, por outro lado, viria afirmar que “chama-se socialista a toda a doutrina que exige a ligação de todas as funções económicas ou de algumas de entre as que actualmente estão difusas, nos centros directores e conscientes da sociedade”. Não nos fiquemos apenas por estas definições simplistas. Em bom rigor, do que se trata quando falamos em Socialismo é de um sistema político-económico, ou de uma linha de pensamento surgida no século XIX, visando confrontar o liberalismo e o capitalismo. Aquilo que verdadeiramente o Socialismo advoga é essencialmente a extinção da propriedade privada dos meios de produção e a divisão igualitária das riquezas e propriedade, com a principal finalidade de proporcionar a todos um modo de vida mais justo.
Parecem ser estas definições por demais pomposas e utópicas. São e não são. Aceito quando me dizem que o Socialismo matou mais de 100 milhões em todo o mundo e espalhou terror, miséria e fome. Todas as catástrofes naturais dos últimos quatro séculos, mesmo as mais devastadoras, todas somadas, não conseguiram produzir resultados tão nefastos. É um facto puro e simples, constatável na reputada obra O Livro Negro do Comunismo. Como já me disseram, basta consultá-la e fazer os cálculos.

Porém, como o que determina as nossas crenças e convicções não são os factos, mas as interpretações, resta sempre ao socialista devoto, como eu, o subterfúgio de explicar, ou pelo menos tentar, essa abominável sucessão de calamidades como o efeito de casos fortuitos sem qualquer espécie de relação com a verdadeira essência da doutrina socialista, a qual conserva assim, imune a toda a triste história das suas realizações, a beleza e a dignidade de um ideal superior. Será sequer minimamente aceitável ou coerente afirmar que os regimes de Estaline, Mao, Hitler, todos diferentes entre si, realizaram um socialismo tal qual idealizado pelos grandes teóricos? De todo. Por exemplo, Hitler era nazi, Mao era comunista (o comunismo chinês, com divergências em relação à URSS), Estaline era comunista; portanto ideologias e modelos políticos completamente diferentes que utilizaram da violência para promover massacres contra o adversário, ou não, servindo-se da lógica de Clausewitz de que “ a guerra é uma extensão da política e que a política exige acções violentas por parte dos governos”.

Todavia, cada qual usava a lógica da violência com um propósito distinto: Estaline e Mao exterminaram adversários políticos que, de algum modo, ameaçavam a manutenção do poder e das suas próprias vidas. Hitler perseguiu judeus, em virtude de uma visão racista e perfeitamente irracional, em defesa da superioridade da raça ariana. Estaline também era xenófobo e não gostava de judeus, mas o preconceito racial não esteve na pauta das suas políticas.
Tudo foi realizado conforme a teoria socialista, na sua vertente científica, especialmente aquela defendida no Manifesto Comunista, a cartilha utilizada por aqueles déspotas. A URSS e a China basearam-se no ideário marxista. Contudo há diversas interpretações das doutrinas marxistas e no caso chinês, Mao foi muito influenciado por algumas tradições de Sun Tzu e numa leitura orientalizada do marxismo (traduções com outros significados), ao mesmo tempo que Estaline seguia uma linha diferente de Trotsky e Lenine. Tanto assim é, que o Partido Comunista Chinês criou uma linha completamente diferente do comunismo soviético, acentuando-se assim diferenças significativas entre ambos.
Poderia vir aqui defender com unhas e dentes, permitam a expressão, o Socialismo e a sua viabilidade, mas não o farei. Sinto-me socialista, defendo o Socialismo na sua essência e de outro modo não poderia ser. Todavia e não poderia terminar este texto sem o fazer, cumpre que diga o que realmente penso sobre afirmações como a de o socialismo ter morto 100 milhões ou sobre o capitalismo ser um sistema defensável e viável.

Sobre a primeira afirmação creio já ter dito o que penso. As experiências, ditas socialistas, despóticas a que aludi não foram, sublinhe-se veementemente, de todo, realizações do verdadeiro socialismo. Foram, isso sim, enormes desumanidades, abomináveis e reprováveis a todos os títulos, espelho de um rebaixamento voluntário e perverso da inteligência a um nível infra-humano.
Mas se determinadas pessoas afirmam que o Socialismo matou milhões, não posso deixar de ficar perplexo e profundamente indignado quando me vêm defender o Capitalismo e os seus supostos benefícios. A essas pessoas simplesmente direi que o Capitalismo é o regime mais assassino da história da humanidade. Na verdade, os mortos pelo Capitalismo são tantos que é impossível fazer uma contagem exacta, são muitos mais do que aqueles a quem o dito Socialismo ceifou a vida. Sucede que a maioria da humanidade prefere ser morta pelo Capitalismo, uma vez que isso significa uma maior oportunidade de ter uma morte tardia, não violenta e com um enterro digno. Refira-se ainda o que afirmou, sem margem para dúvidas, Jean Ziegler, relator da ONU para o direito à Alimentação: “ O Capitalismo mata 100.000 pessoas por dia de fome”. E isto acontece, apesar do mundo ter actualmente a capacidade para alimentar 12 biliões de seres humanos, ou seja, o dobro da população mundial. Mas permitam-me ainda aludir a um caso concreto a nível mundial, onde impera o Capitalismo: a Índia. Até hoje vigente nesse país,o sistema odioso de castas é a pedra angular que, se retirada da parede que sustenta o sistema capitalista na Índia, fará desmoronar como um castelo de cartas, não só o sistema capitalista entendido como um sistema socioeconómico viável, mas também todos os disparates cínicos e verborreicos ,que hoje se apresentam como substrato doutrinário “científico”, e que pretensamente justificam esse ineficiente, cruel e cínico sistema socioeconómico denominado de Capitalismo. E não poderei ainda terminar sem referir a ditadura capitalista alemã de Hitler( que nada tem que ver ideologicamente com o socialismo) e sobretudo as ditaduras capitalistas que assolaram a América do Sul durante mais de 20 anos, sendo comum entre elas a total ausência de democracia. Curiosamente só os regimes comunistas herdaram a fama de antidemocráticos, enquanto o regime capitalista,ironicamente, constituiu sinónimo de democracia.
O mais interessante, é que a característica mais marcante em todo e qualquer regime capitalista é precisamente a dominação da maioria por uma selecta minoria de privilegiados e isso é a própria contradição em termos, do que representa o conceito de democracia.Essa dominação ocorre em razão do maior poder económico e financeiro destes, que obviamente têm as leis a assegurar-lhes a estabilidade do sistema, de forma bem mais eficiente do que nas ditaduras de esquerda. É que contam e sempre contaram com eficiente sistema de marketing, para fazer crer aos incautos que o luxo, a ostentação e o glamour são acessíveis a todos os que se esforçarem e que as derrotas pessoais são meras consequências de erros e fracassos individuais. Como se todos começassem a corrida em posições equivalentes na pista....Mas não se esqueçam ainda todas as outras ditaduras políticas de natureza capitalista: todas as ditaduras conservadoras da Europa. As experiências portuguesa, espanhola, italiana ou até alemã estão todas elas ligadas, sustentadas e patrocinadas por oligarquias capitalistas. Isso não é refutável.
Termino, mas não sem antes reconhecer que haveria muito mais a dizer neste "julgamento da história", que pecará então por ser mui breve e incompleto. Todavia, creio que responderá, no essencial, àquilo que pretendia. Portanto, e salvo melhor opinião, dou por terminado o texto, rematando-o, como claramente não poderia deixar de ser, citando o iluminado Anthero de Quental, na sua valiosíssima obra A Política:

“ (…)o Socialismo, tão antigo como a justiça e a opressão do pobre pelo rico, do desvalido pelo poderoso, não é mais do que o protesto dos que sofrem contra a organização viciosa que os fez sofrer. É a reclamação da justiça e da igualdade nas relações dos homens; dos homens que a natureza criou livres iguais, e de que a organização social fez como que duas inimigas, uma que manda, goza e oprime, outra que obedece, trabalha e sofre: dum lado, senhores, aristocratas, capitalistas; do outro, escravos, servos, proletários!
No dia em que esta desigualdade monstruosa e ímpia apareceu no mundo, apareceu também logo a protestar contra ela, o Socialismo. O Socialismo não é de hoje nem de ontem. Todos os grandes pensadores, desde Pitágoras, e Platão, e Cristo, e os Gracos, e os santos da primitiva igreja, e os fundadores das ordens monásticas, todos reclamaram contra a miséria e a desigualdade, em nome do direito natural e inalienável que todo o homem tem à vida, ao bem-estar, aos meios de desenvolver a sua actividade, trabalhando, à família e à instrução. A todos eles fez o espectáculo da injustiça social soltar palavras de amargura e indignação.”

2 comentários:

José Couto disse...

Como sabes, este é o único socialismo que me interessa (o devoto, o utópico, o das ideias e dos sonhos… o que bebi em Anthero e que Anthero bebeu em Proudhon). Depois deste texto apetece-me chamar-te, fraternamente: Camarada.
Abraço

A. M. Feijó disse...

Caríssimo, para além de ser o único que me interessa, é também o único em que acredito.
Abraço

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